terça-feira, 26 de janeiro de 2016

Terceira Idade


A longevidade sempre foi um anseio de todos os povos, de todos os indivíduos. Encontrar a fonte da eterna juventu­de. com o elixir da longa vida, era o sonho de Ponce de Leon e de tantos outros alquimistas, que viam nessa busca a concretização. há tanto acalentada, de permanecerem eterna­mente jovens... A imagem da velhice sempre foi estigmatizada, con­siderada como algo ruim, de prognósticos sombrios e pes­simistas, pois seu destino só poderia ser a morte, o fim. A velhice assusta porque ela representa a negação de valores até então cultuados, como a beleza, a rigidez, produ­tividade. força, poder, valores esses considerados próprios da juventude. No entanto, se fizermos uma revisão histórica, va­mos encontrar figuras proeminentes já em idade avançada que se constituíram em faróis de iluminação e sabedoria para as gerações vindouras. Dentre as personalidades bíblicas encontramos em Moisés, um dos profetas encar­regados de preparar seu povo para a vinda do Messias. bem como Sócrates na Grécia Antiga, cuja idéias revolu­cionaram o pensamento da época, constituindo-se em arcabouço para o advento do Cristianismo. No âmbito das ciências. encontramos Einstein que, com sua teoria da relatividade, modificou conceitos e foi o precursor de todo um avanço científico e tecnológico da atu­alidade. Pasteur, também foi um grande expoente nos estudos que culminaram com a descoberta da penicili­na. dentre outros. p class="MsoNormal">Grandes estudiosos, nas diversas áreas do conheci­mento, notabilizaram-se já com idades mais avançadas. Na área da fraternidade e do exemplo cristão, tive­mos Madre Tereza de Calcutá e, mais próximos a nós, Irmã Dulce. embora alquebradas fisicamente pelo tempo, eram portadoras de lucidez, dinamismo, sabedoria e sobretudo amor, que se transformaram em exemplos vivos de traba­lho e dedicação às populações mais carentes. A quê esses exemplos nos remetem? Paremos um pou­co para pensar. Este texto representa algumas reflexões, bem recentes sobre o tema, muito mais calcadas em vivências, em­bora influenciadas diretamente pelos conhecimentos teóri­cos adquiridos ao longo de toda uma vida profissional e pela bibliografia específica consultada. Estas reflexões re­presentam um encontro pessoal de meus valores éticos e afetivos com essa nova realidade do envelhecimento. Es­tando muito próxima da terceira idade, procuro preparar­-me para vivenciá-la o mais sabiamente possível. Segundo Goldman (2000:13), o termo terceira idade foi criado pelo gerontologista francês Huet, cujo princípio cronológico coincide com a aposentadoria, na faixa dos 60 aos 65 anos, embora as mudanças características já tenham começado a tornar-se evidentes mais cedo. O termo “terceira idade” surge para expressar novos padrões de comportamento de uma geração que se apo­senta e envelhece ativamente. Conversando recentemente com um amigo, fiz referên­cias à ansiedade que me possuía, diante da constatação de que o tempo estava curto para tanta coisa que estava por fazer, a insatisfação de quem ainda não conseguiu cumprir seu dever como pessoa, a necessidade de doar-se para con­tribuir com a construção) de um mundo melhor, mais hu­mano, mais solidário e sem exclusão social. Após me ou­vir, ele, com a ponderação que o caracteriza e dando mos­tras de também estar preocupado com essas questões, fa­lou-me: “estamos na fase da reflexão...” Essas poucas palavras foram como um bálsamo, acal­mando a minha inquietação e a luta entre o querer e o po­der. Então, pude perceber que o processo do envelheci­mento biológico, configurado no contexto social e em com­ponentes culturais e emocionais nos remete forçosamente à reflexão acerca de nossas condições materiais e espiritu­ais de vida. E, relacionando-as com a situação de nossos idosos, refletimos em como poderemos usar de nossos co­nhecimentos e vivências, para melhor compreendê-los e propormos ações concretas para que não só eles, como todos nós, possamos construir a cidadania plena. Refletimos também, que a qualidade desse envelheci­mento) está diretamente relacionada ao nível de sabedoria com o qual ele é vivenciado pelos idosos e como essa sa­bedoria pode ser utilizada para transformar os homens e a sociedade. Há que se considerar que estamos vivendo numa so­ciedade capitalista de contornos neoliberais, a qual se ca­racteriza pela decrescente responsabilização do Estado em relação à melhoria da qualidade de vida da população; pela privatização de empresas estatais; a não intervenção do Estado nos aspectos econômicos que devem se desenvol­ver no livre jogo do mercado; alterações na esfera produti­va e a redução de gasto público centrado na diminuição de recursos destinados principalmente à área social. Esta realidade se configura como uma resposta ao fenômeno mundial da globalização, cujos reflexos mais significativos se verificam nos países do terceiro mundo, como é O nosso caso. Esse mundo globalizado privilegia a tecnologia, o ter em detrimento do ser, não acreditando que o saber se acumula com o passar dos anos. com prioridade aos mais novos no lugar dos mais experientes e vividos em anos, destinando àqueles a qualificação e capacitação em no­vas tecnologias. Como este é um mundo altamente com­petitivo, ágil, as decisões têm que ser tomadas com base na astúcia: ganha aquele que for mais capaz e sobretu­do mais empeno. Som dívida, vivemos em uma realidade altamente perversa, onde o saber se degrada à medida que a tecnologia avança, criando novas possibilidades de co­nhecimento às quais os idosos não tem mais acesso e nem condições para acompanhar. Conclui-se, sem mui­to esforço que a nossa sociedade é excludente e autori­tária, em que a modernidade fez do homem e, principal­mente, do idoso, uma peça descartável no próprio sis­tema produtivo, impossibilitando-o de desfrutar daqui­lo que produziu. Essa marginalização do idoso decorrente de ideo­logias. de preconceitos internalizados e expressos em nossa sociedade e do conjunto de fatores sociais e eco­nômicos produzem sentimentos de revolta e impotência, relegando os idosos a um plano secundário na fa­mília e na sociedade.. O avanço tecnológico da ciência, as grandes desco­bertas no sentido de debelar e prevenir doenças e os estu­dos pioneiros da geriatria e gerontologia estão contribuin­do para a maior expectativa de vida, através da intervenção no processo do envelhecimento, O aumento dessa expec­tativa de vida, por um lado possibilita ao idoso viver mais anos e com melhor qualidade. No entanto, estio sujeitos às dificuldades de adaptação às condições de vida atuais, acrescidas das dificuldades físicas, psíquicas, culturais e sociais decorrentes do envelhecimento. As dificuldades físicas são caracterizadas por algumas perdas nos aspectos sensoriais, de visão e audição que hoje já podem ser corrigidas e compensadas, bem como por algumas doenças, não propriamente decorrentes da idade, mas em conseqüência de abusos ou ausência de prevenção e hábitos mais saudáveis durante toda a vida. Do ponto de vista psicológico agudizam-se as consequencias dos traumas. mágoas, ausência de afetividade vivenciados desde a infância. As reações, as associações e o reconhecimento dessas situações são mais lentas no idoso, assim como a aprendizagem. No entanto, não significam incompetência. Os idosos necessitam de um tempo um pouco maior para que possam passar do raciocínio ao sentimento. A medida que se avança em ida­de, a capacidade intelectual vai se tornando mais seletiva, daí se enfatizar que o idoso tem que se manter ativo para continuar produzindo. Os valores culturais que idolatram o novo, o moder­no, o jovem e ridicularizam o antigo e o velho, são respon­sáveis pelos sentimentos de rejeição do idoso à sua própria imagem, diminuindo e mesmo aniquilando a sua auto-esti­ma. Como os idosos, por si só, não têm condições de supe­rar as dificuldades naturais do envelhecimento porque não foram instrumentalizados para isso, eles se entregam e as­somem esses valores eivados de preconceitos como se fos­sem verdadeiros, colocando-se, eles próprios, à margem da sociedade que, por sua vez, também os marginaliza. Do ponto de vista social, o número de idosos no Bra­sil vem aumentando de forma acelerada, pois segundo da­dos do IBGE, (Goldman. 2000), em 1980, os idosos correspondiam a 6.06% da população em geral; em 1990 já eram 7.06%, sendo que a estimativa para 2000 é de 8% e, para 2025. é de 15%. Diante dessa realidade, pode-se considerar que a ve­lhice é um fenômeno social, não estando o país preparado para enfrentá-lo concretamente. As mudanças sociais verificadas nestes últimos anos na estrutura familiar tendem também a marginalizar o ido­so, independente da situação econômica e por motivos dife­rentes, fazendo com que eles assumam sozinhos a sua velhice, afastando-os do convívio familiar, com repercussões muito sérias no aspecto afetivo. Os idosos mais pobres podem ser empecilho para a família por serem considerados improdutivos, como podem ser a única fonte de renda familiar, através da aposentado­ria ou pensão que mal dar para o seu próprio sustento, sen­do explorado. financeiramente, ou então usados para to­marem conta dos netos. De uma certa forma estão produ­zindo. mas eles não podem exercer outras atividades que poderiam ser importantes para a conquista dos direitos ine­rentes ao ser humano e elevação da auto-estima. Mesmo assim, eles não são valorizados. O movimento social reivindicatório de idosos e apo­sentados, que foi mais efetivo em 1988, no processo de redemocratização do pais, com a promulgação da Consti­tuição, atinge seu ponto alto de conquista com a Lei n.º 8842 de 4 de janeiro de 1994. que dispõe sobre a Política Nacional do Idoso. Os direitos sociais dos idosos são ga­rantidos por lei. regulamentada em 1996. No entanto, en­tre o que propõe a Lei e a realidade vivenciada pelos idosos ainda existe uma enorme distância. As políticas são enun­ciadas como estratégias governamentais em resposta à pres­são dos movimentos, das organizações de defesa de direi­tos e pela população, no sentido da manutenção da sua hegemonia. Acreditamos que a organização social e política da população, em movimentos que reivindicam inclusão soci­al, são oportunos e imprescindíveis, pois constituem-se no único meio para se resgatar os direitos e a dignidade de todos os segmentos excluídos da sociedade. Portanto, to­das as ações destinadas aos idosos devem ter o mesmo direcionamento. A cidadania não se instala, ela é construída cm cada grupo, cada movimento e em cada ação e atitudes indivi­duais, e ela só é possível, quando todos tiverem direitos e deveres iguais e em iguais condições. No entanto, se, por um lado, a contemporaneidade proporcionou inovações e transformações significativas, ela produziu um mundo massificado. globalizado e, por isso, despersonalizador. Observa-se que nunca houve tanta solidão, não só entre os idosos, tantas doenças pro­duzidas pela falta de afeto, de contato humano fraterno e de solidariedade. A reivindicação de direitos sociais conquanto válida, não preenche “aquele” vazio, não resgata a identi­dade pessoal e cultural que é necessária para que se construa o ser. Ser feliz, amar, ser amado, apaixonar-se por alguma causa, compreender, ser compreendido são direitos inalienáveis do ser humano. Na maioria das vezes, os grupos de convivência e de organização social de idosos são procurados para suprir a solidão em que vivem. Conseguem o intento momentanea­mente. Quando retomam para suas casas, tudo volta a ser como antes. Os grupos devem ser capazes de estimular os idosos ao auto-conhecimento, trabalhando com a sabedoria e a sensibi­lidade de cada um. a fim de que possam se questionar sobre si mesmos, para auto construírem-se conscientemente. Paralelamente. é necessário fazer com que os ido­sos percebam. aceitem e aprendam a conviver com seus limites. reciclem seus hábitos para criarem novos pro­jetos para suas vidas. Conquista-se direitos através de inúmeras manei­ras, mas 6 a sabedoria que confere credibilidade e seri­edade. fazendo com que os idosos mostrem, através de suas atitudes cotidianas, na sua convivência familiar e social, a sua compreensão da vida — eles precisam re­fletir sobre suas vidas e extrair de suas experiências o combustível capaz de direcionar as ações, os novos pro­jetos de vida, no sentido de satisfazer as suas necessi­dades e com os quais possam melhorar sua qualidade de vida. É importante resignificar o que cada tropeço, cada dificuldade, cada ruga, cada cabelo branco e cada sen­timento recorrente trouxeram de experiência, de conhe­cimento e que pode ser exercitado em cada uma de suas relações. Quanto mais o idoso depender de outros para solucionar problemas existenciais, mais tem que arcar com as circunstâncias e conseqüências dessa depen­dência. Também o autonomia é conquistada com sabe­doria. A velhice não pode ser vista como término, mas como um recomeçar com características e valores próprios. E uma nova forma de olhar o mundo. A prática política e social reivindicatória se torna­ra mais rica quando o idoso, consciente de seu potencial, dessa sabedoria, se respeitar e se fizer respeitar. não pelo poder, pelo autoritarismo, ou sujeito só de direi­tos, mas pelo reconhecimento do seu valor intrínseco, como ser humano pleno. Como já nos referimos, só o exemplo dos idosos e o) nosso, serão capazes de mostrar às novas gerações que os verdadeiros valores são os decorrentes da afetividade bem direcionada e da sabedoria, resgatando a solidariedade e o respeito àqueles que construíram o mundo. Finalizando, concluímos que todas aquelas perso­nalidades a que nos referimos no inicio deste texto fo­ram capazes, pelo) amor de que se fizeram portadoras, de construir grandes benefícios para a humanidade, a despeito do quanto sofreram para alcançar a realização de seus projetos, que deram sentido às suas vidas, como um sinal de sabedoria no vivenciar bem sua velhice. Silvia Teresa Zacharias Assistente Social aposentada pela UFG e Assessora da Pró-Reitoria de Assuntos da Comunidade Universitária – UFG. Especialista em Política Social pela UCG e em Metodologia do Serviço Social pela UFG