sexta-feira, 3 de maio de 2013

exposição "Sonhos e Pesadelo"


"Quando é que as artes visuais ganham espaço na primeira página dos grandes jornais? Quando alguma exposição de escala monumental ­ uma mostra de Rodin ou Picasso ou a Bienal de São Paulo ­ chega à cidade, talvez? Contanto que não hajam outros assuntos prementes a noticiar, certamente. Pois uma intervenção do artista estampou a primeira página no mesmo dia da quebra da Bolsa de Nova York, em 2008. Neste trânsito sem precedentes entre a primeira página e os cadernos de cultura, cidades e política dos grandes veículos de comunicação reside a prática artística singular de Srur. Uma prática tão difícil de rotular quanto a de Nelson Leirner, que foi celebremente definida pelo crítico Tadeu Chiarelli como "arte e não­arte", devido ao uso prosaico que o artista faz de objetos banais do universo do consumo e que possibilita, no limite, que qualquer pessoa faça obras de arte idênticas às de Leirner. Srur flerta abertamente com este limite entre arte e não­arte. Prova disso é seu livro, recém­publicado, Manual de Intervenção Urbana, que oferece ao leitor um retrato honesto e detalhado de cada um de seus projetos como a sugerir "você também pode fazer igual". Outrora marcados por uma visão pictórica da intervenção urbana, como se transpusesse do suporte­tela para o suporte­cidade seu entendimento do mundo (como em Acampamento dos Anjos, Caiaques, Pets, ou no laranja típico de Sobrevivência e A Arte Salva), os trabalhos cada vez mais parecem buscar o anonimato característico das metrópoles. O próprio vocabulário de Srur, convocado a explicar reiteradamente a burocratas (para obter autorizações) e diretores de marketing (para conseguir patrocínio) seus projetos e melhores intenções, se adaptou plenamente à filosofia de aproximar arte e vida urbana. Nada de discursos grandiloquentes e carregados de jargões do campo da arte. Ele fala em "reciclagem do olhar", em "ativar as áreas inertes da cidade" ou em "chamar a atenção para o que se tornou invisível". Atualmente, seguir Eduardo Srur pelo centro de São Paulo é como estar escoltada pelo dono da cidade. Ele conhece todos os caminhos, todos os códigos e todas as contravenções necessárias. É na região central que acontece sua mais recente tomada de assalto à cidade ­ porque todas as intervenções de Srur têm um pouco esse sabor de "a vida era assim até que, um belo dia, a cidade amanheceu diferente". Utopicamente, servem a um belo propósito, mas ­ como é constitutivo da arte ­ não servem para nada. Seus moinhos de vento, Srur instala desta vez na região mais devastada e desolada da capital: a Cracolândia. A obra Cataventos produz energia eólica, que alimenta, por sua vez, um mecanismo que faz o objeto mudar de cor. Espécie de tautologia em forma de escultura, a energia se consome a si mesma, em outras palavras. Porém, do ponto de vista simbólico, o artista quer que um tal campo de força criativa contamine positivamente o entorno do terreno destinado a, um dia, sediar um complexo cultural. Na estação Júlio Prestes, ali perto, o artista instalou 50 bicicletas suspensas, como que alçando voo em direção a uma realidade menos bruta do que a do entorno da construção à la Luís XIV. A dez minutos a pé das duas intervenções, como que desassociada das outras ­ mais anônima, portanto ­ uma obra assombra o Vale do Anhangabaú, talvez a mais realista de todas. O já etmologicamente assombrado local vê irromper do subterrâneo um farol negro: o pesadelo metropolitano da população de ratos, com a qual as pessoas compartilham a cidade, emerge do chão para cobrir esse farol desprovido de luz, que não organiza nem serve de alento a ninguém. O que, de qualquer maneira, estas três intervenções ­ como todas as da carreira de Srur ­ alcançam, mesmo sem almejá­lo, é uma existência em tudo oposta à dos monumentos públicos. Em vez de permanentes, são breves. Em lugar de impor ao cidadão uma versão altamente ideológica dos fatos históricos, são experimentadas como alternativas poéticas ­ abertas a interpretações variadas que são. Em vez de cristalizar e apaziguar um determinado conflito, são lampejos disruptivos da complacência e do anestesiamento urbano." Juliana Monachesi 14 Abril 2013