sexta-feira, 25 de maio de 2018

Por que a greve dos caminhoneiros?


Filas se formaram em postos de gasolina em todo o Brasil, em decorrência da greve dos caminhoneiros, como essa em Porto Alegre O Brasil parou e tem tudo para continuar parado, se depender da uniformidade de discursos na greve dos caminhoneiros. Não existe linearidade — a paralisação dos transportes está amparada em três eixos produtivos e cada um deles têm posições distintas com relação à continuidade das mobilizações. O principal, que desencadeou o movimento, é o dos caminhoneiros autônomos, que estão radicalizados. Despejam produtos fora e apedrejam veículos que furam os bloqueios. O segundo eixo é o dos sindicatos e associações dos autônomos, cuja direção aderiu à greve puxada pelos seus afiliados e, apesar de apoiar o movimento, critica os excessos e badernas. O terceiro eixo é o das empresas transportadoras: elas concordam com todas as razões da paralisação e aderiram a ela de forma indireta, ao deixarem seus veículos nas garagens. Alegam razões de segurança, mas a verdade é que simpatizam com a greve. GaúchaZH ouviu representantes de todos esses segmentos. Entre os empresários e sindicalistas cresce o temor de caos social e, por isso, eles se mostram inclinados a aceitar a trégua proposta pelo governo Michel Temer — desde que seja aceita uma pauta mínima de reivindicações deles. Já entre os autônomos não há confiança no governo e a palavra de ordem é continuar o movimento grevista, até que a maioria das exigências da categoria seja aceita. Eles tampouco mostram temor de repressão policial: acreditam que contam com apoio popular e até político. Alguns desses radicalizados levaram para Brasília bandeiras consideradas extremadas pelos representantes sindicais. Algumas delas: - Redução do preço final dos combustíveis nos mesmos níveis dos praticados na Bolívia (onde a gasolina brasileira é vendida a preço menor que no Brasil); - Fim ou substituição do tipo de exame toxicológico obrigatório para caminhoneiros; - Maior fiscalização da Receita Estadual e Federal em transportadoras inadimplentes com o Fisco; - Valores de pedágios a preço razoável e proporcionais à distância, além do fim da absurda cobrança do eixo suspenso em veículos vazios (sem carga); - Maior segurança na atividade e direito a porte de arma para legítima defesa; - Implantação obrigatória da tarifa mínima de frete do transportador autônomo de cargas. A maioria das exigências feitas pelos transportadores, porém, são mais brandas. Veja aqui a opinião de alguns representantes do setor ouvidos por GaúchaZH: Marcos Gelinger, autônomo e dono de um caminhão radicado no Vale do Sinos, é um dos que participa da concentração com 200 caminhoneiros que bloqueiam a estrada em Araricá. Ele ressalta, com orgulho, que não tem ligação com sindicato ou associação. Desconfia deles, das empresas transportadoras e, mais ainda, do governo. Considera que a greve deve ser mantida até redução substancial do preço do combustível: — Com o corte das tributações PIS/Cofins teríamos uma redução entre 0,90 e 0,60 no diesel. Aí chegaria a cerca de R$ 3 o litro. É pouca redução. Para balançar a greve tem de ficar a menos de R$ 3. Sem falar em outras pautas, como segurança do caminhoneiro e custo dos pedágios — pondera. "Governo nos tirou para bobos" Sérgio Gabardo, empresário, proprietário de uma frota de 1.200 caminhões, considera que a greve não vai acabar porque "o governo nos tirou para bobos". Gabardo, que também é vice-presidente da área internacional do Sindicato das Empresas Transportadoras de Carga-RS (Setcergs), diz que não fez greve, mas proibiu todos seus veículos de deixarem as garagens, inclusive em solidariedade aos autônomos. O empresário acredita que a paralisação só terminará se o governo reduzir o preço do diesel. — Só de impostos ele carrega 40% a 50%, um absurdo, e se congelar o preço do óleo na refinaria. Por pelo menos seis meses — ressalta. De que adianta garantir o lucro da Petrobras, se isso encarece o frete dos caminhões e repassa o custo para toda a sociedade, no preço das mercadorias? Como vou explicar para meus clientes coreanos que vou ter de repassar o aumento do combustível no frete deles? Vou perder o contrato. Quem me indeniza — questiona. André Costa, presidente da Federação dos Caminhoneiros Autônomos-RS (Fecam) crê que é difícil terminar a greve, porque a redução de impostos cogitada pelo governo seria de uns 15% e os caminhoneiros pedem 50% de cortes. O sindicalista também enfatiza que outros setores se engajaram na paralisação. Pessoalmente, Costa condena excessos que têm ocorrido, como bloqueio de caminhões com cargas de cloro para limpeza de água ou de veículos com víveres. —Isso leva o país ao colapso, que não é bom para ninguém — salienta. Costa apoia a continuidade da greve, desde que sem excessos. "Trégua por 15 dias? Talvez" Franck Woodhead, vice-presidente de Logística do Setcergs, diz que a frequência de aumentos no combustível é o maior problema. O empresário, cuja empresa tem 90 caminhões, graceja: quando um caminhão sai de Porto Alegre para Recife, chega na capital pernambucana com mais de um aumento no combustível. — Isso não pode, ninguém consegue trabalhar sem previsão. Entendo a política de valorização do produto montada pela Petrobras, mas é preciso manter um preço médio no óleo: 60 dias, 90 dias. Outra questão, aponta Woodhead, é com relação aos impostos. — Não é razoável pagar 25% de ICMS no diesel. É preciso que os governos cedam um pouco. Vão ceder no Pis-Cofins? Talvez isso garanta uma trégua de 15 dias. Talvez... O representante do Setcergs admite que as empresas retiraram os caminhões das estradas, mas está preocupado com os rumos do movimento. Ele diz que já há impacto direto na sociedade, principalmente quanto a hortigranjeiros e carnes. Isso porque todos os meios de transporte profissional usam diesel. E o preço da gasolina? Para Woodhead, como sempre, a classe média vai pagar pelo encarecimento. Ela nem entrou no debate. Relutante "Sem calamidade e uso político" Luiz Orlando Fração, consultor de transportes, acionista de transportadoras e ex-sócio da Expresso Mercúrio (empresa que tinha 1.300 caminhões) considera que o governo devota descaso histórico com o setor de transportes. Isso inclui a mais pesada carga tributária sobre combustíveis "de que se tem conhecimento". — Até faz sentido a Petrobras querer regular o preço do óleo conforme padrão internacional, mas não há justificativa para tamanho fardo em impostos sobre o combustível. São os transportadores que construíram esse país. Muito se fala que o Brasil paga hoje o preço de trocar o trem pelo caminhão, mas isso não é verdade. Na Europa e EUA, trem é para passageiro, caminhão é que faz entrega de carga — pondera Fração. O empresário vê com ressalvas a continuidade da greve, pelo desabastecimento que causa, pela calamidade e também "pelo uso político" que alguns fazem dela. por: HUMBERTO TREZZI

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