A longevidade sempre foi um anseio de todos os povos, de todos os indivíduos. Encontrar a fonte da eterna juventude. com o elixir da longa vida, era o sonho de Ponce de Leon e de tantos outros alquimistas, que viam nessa busca a concretização. há tanto acalentada, de permanecerem eternamente jovens...
A imagem da velhice sempre foi estigmatizada, considerada como algo ruim, de prognósticos sombrios e pessimistas, pois seu destino só poderia ser a morte, o fim.
A velhice assusta porque ela representa a negação de valores até então cultuados, como a beleza, a rigidez, produtividade. força, poder, valores esses considerados próprios da juventude.
No entanto, se fizermos uma revisão histórica, vamos encontrar figuras proeminentes já em idade avançada que se constituíram em faróis de iluminação e sabedoria para as gerações vindouras. Dentre as personalidades bíblicas encontramos em Moisés, um dos profetas encarregados de preparar seu povo para a vinda do Messias. bem como Sócrates na Grécia Antiga, cuja idéias revolucionaram o pensamento da época, constituindo-se em arcabouço para o advento do Cristianismo.
No âmbito das ciências. encontramos Einstein que, com sua teoria da relatividade, modificou conceitos e foi o precursor de todo um avanço científico e tecnológico da atualidade. Pasteur, também foi um grande expoente nos estudos que culminaram com a descoberta da penicilina. dentre outros. p class="MsoNormal">Grandes estudiosos, nas diversas áreas do conhecimento, notabilizaram-se já com idades mais avançadas.
Na área da fraternidade e do exemplo cristão, tivemos Madre Tereza de Calcutá e, mais próximos a nós, Irmã Dulce. embora alquebradas fisicamente pelo tempo, eram portadoras de lucidez, dinamismo, sabedoria e sobretudo amor, que se transformaram em exemplos vivos de trabalho e dedicação às populações mais carentes.
A quê esses exemplos nos remetem? Paremos um pouco para pensar.
Este texto representa algumas reflexões, bem recentes sobre o tema, muito mais calcadas em vivências, embora influenciadas diretamente pelos conhecimentos teóricos adquiridos ao longo de toda uma vida profissional e pela bibliografia específica consultada. Estas reflexões representam um encontro pessoal de meus valores éticos e afetivos com essa nova realidade do envelhecimento. Estando muito próxima da terceira idade, procuro preparar-me para vivenciá-la o mais sabiamente possível.
Segundo Goldman (2000:13), o termo terceira idade foi criado pelo gerontologista francês Huet, cujo princípio cronológico coincide com a aposentadoria, na faixa dos 60 aos 65 anos, embora as mudanças características já tenham começado a tornar-se evidentes mais cedo.
O termo “terceira idade” surge para expressar novos padrões de comportamento de uma geração que se aposenta e envelhece ativamente.
Conversando recentemente com um amigo, fiz referências à ansiedade que me possuía, diante da constatação de que o tempo estava curto para tanta coisa que estava por fazer, a insatisfação de quem ainda não conseguiu cumprir seu dever como pessoa, a necessidade de doar-se para contribuir com a construção) de um mundo melhor, mais humano, mais solidário e sem exclusão social. Após me ouvir, ele, com a ponderação que o caracteriza e dando mostras de também estar preocupado com essas questões, falou-me: “estamos na fase da reflexão...”
Essas poucas palavras foram como um bálsamo, acalmando a minha inquietação e a luta entre o querer e o poder. Então, pude perceber que o processo do envelhecimento biológico, configurado no contexto social e em componentes culturais e emocionais nos remete forçosamente à reflexão acerca de nossas condições materiais e espirituais de vida. E, relacionando-as com a situação de nossos idosos, refletimos em como poderemos usar de nossos conhecimentos e vivências, para melhor compreendê-los e propormos ações concretas para que não só eles, como todos nós, possamos construir a cidadania plena.
Refletimos também, que a qualidade desse envelhecimento) está diretamente relacionada ao nível de sabedoria com o qual ele é vivenciado pelos idosos e como essa sabedoria pode ser utilizada para transformar os homens e a sociedade.
Há que se considerar que estamos vivendo numa sociedade capitalista de contornos neoliberais, a qual se caracteriza pela decrescente responsabilização do Estado em relação à melhoria da qualidade de vida da população; pela privatização de empresas estatais; a não intervenção do Estado nos aspectos econômicos que devem se desenvolver no livre jogo do mercado; alterações na esfera produtiva e a redução de gasto público centrado na diminuição de recursos destinados principalmente à área social.
Esta realidade se configura como uma resposta ao fenômeno mundial da globalização, cujos reflexos mais significativos se verificam nos países do terceiro mundo, como é O nosso caso.
Esse mundo globalizado privilegia a tecnologia, o ter em detrimento do ser, não acreditando que o saber se acumula com o passar dos anos. com prioridade aos mais novos no lugar dos mais experientes e vividos em anos, destinando àqueles a qualificação e capacitação em novas tecnologias. Como este é um mundo altamente competitivo, ágil, as decisões têm que ser tomadas com base na astúcia: ganha aquele que for mais capaz e sobretudo mais empeno.
Som dívida, vivemos em uma realidade altamente perversa, onde o saber se degrada à medida que a tecnologia avança, criando novas possibilidades de conhecimento às quais os idosos não tem mais acesso e nem condições para acompanhar. Conclui-se, sem muito esforço que a nossa sociedade é excludente e autoritária, em que a modernidade fez do homem e, principalmente, do idoso, uma peça descartável no próprio sistema produtivo, impossibilitando-o de desfrutar daquilo que produziu.
Essa marginalização do idoso decorrente de ideologias. de preconceitos internalizados e expressos em nossa sociedade e do conjunto de fatores sociais e econômicos produzem sentimentos de revolta e impotência, relegando os idosos a um plano secundário na família e na sociedade..
O avanço tecnológico da ciência, as grandes descobertas no sentido de debelar e prevenir doenças e os estudos pioneiros da geriatria e gerontologia estão contribuindo para a maior expectativa de vida, através da intervenção no processo do envelhecimento, O aumento dessa expectativa de vida, por um lado possibilita ao idoso viver mais anos e com melhor qualidade. No entanto, estio sujeitos às dificuldades de adaptação às condições de vida atuais, acrescidas das dificuldades físicas, psíquicas, culturais e sociais decorrentes do envelhecimento.
As dificuldades físicas são caracterizadas por algumas perdas nos aspectos sensoriais, de visão e audição que hoje já podem ser corrigidas e compensadas, bem como por algumas doenças, não propriamente decorrentes da idade, mas em conseqüência de abusos ou ausência de prevenção e hábitos mais saudáveis durante toda a vida.
Do ponto de vista psicológico agudizam-se as consequencias dos traumas. mágoas, ausência de afetividade vivenciados desde a infância. As reações, as associações e o reconhecimento dessas situações são mais lentas no idoso, assim como a aprendizagem. No entanto, não significam incompetência. Os idosos necessitam de um tempo um pouco maior para que possam passar do raciocínio ao sentimento. A medida que se avança em idade, a capacidade intelectual vai se tornando mais seletiva, daí se enfatizar que o idoso tem que se manter ativo para continuar produzindo.
Os valores culturais que idolatram o novo, o moderno, o jovem e ridicularizam o antigo e o velho, são responsáveis pelos sentimentos de rejeição do idoso à sua própria imagem, diminuindo e mesmo aniquilando a sua auto-estima.
Como os idosos, por si só, não têm condições de superar as dificuldades naturais do envelhecimento porque não foram instrumentalizados para isso, eles se entregam e assomem esses valores eivados de preconceitos como se fossem verdadeiros, colocando-se, eles próprios, à margem da sociedade que, por sua vez, também os marginaliza.
Do ponto de vista social, o número de idosos no Brasil vem aumentando de forma acelerada, pois segundo dados do IBGE, (Goldman. 2000), em 1980, os idosos correspondiam a 6.06% da população em geral; em 1990 já eram 7.06%, sendo que a estimativa para 2000 é de 8% e, para 2025. é de 15%.
Diante dessa realidade, pode-se considerar que a velhice é um fenômeno social, não estando o país preparado para enfrentá-lo concretamente.
As mudanças sociais verificadas nestes últimos anos na estrutura familiar tendem também a marginalizar o idoso, independente da situação econômica e por motivos diferentes, fazendo com que eles assumam sozinhos a sua velhice, afastando-os do convívio familiar, com repercussões muito sérias no aspecto afetivo.
Os idosos mais pobres podem ser empecilho para a família por serem considerados improdutivos, como podem ser a única fonte de renda familiar, através da aposentadoria ou pensão que mal dar para o seu próprio sustento, sendo explorado. financeiramente, ou então usados para tomarem conta dos netos. De uma certa forma estão produzindo. mas eles não podem exercer outras atividades que poderiam ser importantes para a conquista dos direitos inerentes ao ser humano e elevação da auto-estima. Mesmo assim, eles não são valorizados.
O movimento social reivindicatório de idosos e aposentados, que foi mais efetivo em 1988, no processo de redemocratização do pais, com a promulgação da Constituição, atinge seu ponto alto de conquista com a Lei n.º 8842 de 4 de janeiro de 1994. que dispõe sobre a Política Nacional do Idoso. Os direitos sociais dos idosos são garantidos por lei. regulamentada em 1996. No entanto, entre o que propõe a Lei e a realidade vivenciada pelos idosos ainda existe uma enorme distância. As políticas são enunciadas como estratégias governamentais em resposta à pressão dos movimentos, das organizações de defesa de direitos e pela população, no sentido da manutenção da sua hegemonia.
Acreditamos que a organização social e política da população, em movimentos que reivindicam inclusão social, são oportunos e imprescindíveis, pois constituem-se no único meio para se resgatar os direitos e a dignidade de todos os segmentos excluídos da sociedade. Portanto, todas as ações destinadas aos idosos devem ter o mesmo direcionamento.
A cidadania não se instala, ela é construída cm cada grupo, cada movimento e em cada ação e atitudes individuais, e ela só é possível, quando todos tiverem direitos e deveres iguais e em iguais condições.
No entanto, se, por um lado, a contemporaneidade proporcionou inovações e transformações significativas, ela produziu um mundo massificado. globalizado e, por isso, despersonalizador. Observa-se que nunca houve tanta solidão, não só entre os idosos, tantas doenças produzidas pela falta de afeto, de contato humano fraterno e de solidariedade.
A reivindicação de direitos sociais conquanto válida, não preenche “aquele” vazio, não resgata a identidade pessoal e cultural que é necessária para que se construa o ser. Ser feliz, amar, ser amado, apaixonar-se por alguma causa, compreender, ser compreendido são direitos inalienáveis do ser humano.
Na maioria das vezes, os grupos de convivência e de organização social de idosos são procurados para suprir a solidão em que vivem. Conseguem o intento momentaneamente. Quando retomam para suas casas, tudo volta a ser como antes.
Os grupos devem ser capazes de estimular os idosos ao auto-conhecimento, trabalhando com a sabedoria e a sensibilidade de cada um. a fim de que possam se questionar sobre si mesmos, para auto construírem-se conscientemente.
Paralelamente. é necessário fazer com que os idosos percebam. aceitem e aprendam a conviver com seus limites. reciclem seus hábitos para criarem novos projetos para suas vidas.
Conquista-se direitos através de inúmeras maneiras, mas 6 a sabedoria que confere credibilidade e seriedade. fazendo com que os idosos mostrem, através de suas atitudes cotidianas, na sua convivência familiar e social, a sua compreensão da vida — eles precisam refletir sobre suas vidas e extrair de suas experiências o combustível capaz de direcionar as ações, os novos projetos de vida, no sentido de satisfazer as suas necessidades e com os quais possam melhorar sua qualidade de vida.
É importante resignificar o que cada tropeço, cada dificuldade, cada ruga, cada cabelo branco e cada sentimento recorrente trouxeram de experiência, de conhecimento e que pode ser exercitado em cada uma de suas relações. Quanto mais o idoso depender de outros para solucionar problemas existenciais, mais tem que arcar com as circunstâncias e conseqüências dessa dependência. Também o autonomia é conquistada com sabedoria.
A velhice não pode ser vista como término, mas como um recomeçar com características e valores próprios. E uma nova forma de olhar o mundo.
A prática política e social reivindicatória se tornara mais rica quando o idoso, consciente de seu potencial, dessa sabedoria, se respeitar e se fizer respeitar. não pelo poder, pelo autoritarismo, ou sujeito só de direitos, mas pelo reconhecimento do seu valor intrínseco, como ser humano pleno.
Como já nos referimos, só o exemplo dos idosos e o) nosso, serão capazes de mostrar às novas gerações que os verdadeiros valores são os decorrentes da afetividade bem direcionada e da sabedoria, resgatando a solidariedade e o respeito àqueles que construíram o mundo.
Finalizando, concluímos que todas aquelas personalidades a que nos referimos no inicio deste texto foram capazes, pelo) amor de que se fizeram portadoras, de construir grandes benefícios para a humanidade, a despeito do quanto sofreram para alcançar a realização de seus projetos, que deram sentido às suas vidas, como um sinal de sabedoria no vivenciar bem sua velhice.
Silvia Teresa Zacharias
Assistente Social aposentada pela UFG e Assessora da Pró-Reitoria de Assuntos da Comunidade Universitária – UFG. Especialista em Política Social pela UCG e em Metodologia do Serviço Social pela UFG