Como ocorre nas tiranias, o povo venezuelano passou meses a fio sem ter uma única informação minimamente confiável e verossímil sobre a saúde do coronel Hugo Chávez, sendo desrespeitado no direito fundamental de inteirar-se do que se passa com quem o governa.
Até que, agora há pouco, não foi mais possível disfarçar nem mentir: Chávez está morto.
Daqui por diante, qualquer previsão sobre o que ocorrerá na Venezuela transformaria um jornalista em adivinho.
O chavismo, há 14 longos anos no poder, alterou a seu bel-prazer todas as instituições da Venezuela e transformou o grande país latino-americano, um dos maiores produtores de petróleo do mundo, num feudo para experiências exóticas e autoritárias, enfeixadas num delírio a que se denominou “bolivarianismo”, e que influenciou — inclusive com dinheiro — o surgimento de alter-egos do coronel em países como o Equador e a Bolívia.
Mais do que tudo, edificou-se sobre um único pilar: Chávez, com suas idiossincrasias, sua demagogia, sua hostilidade ao Ocidente, seu afã de calar a oposição e a imprensa livre. Ele queria ser, e foi, adorado como um deus por muitos, e adulado e bajulado por grande número de políticos e dirigentes que, numa democracia real, seriam apenas seguidores.
Como será a Venezuela sem Chávez é uma grande interrogação — com um leque de possibilidades que vai do caos à restauração de uma democracia de verdade, passando pela óbvia tentativa de herdeiros de continuarem encastelados no Palácio Miraflores.
O grande teste para ver se os chavistas no poder estão minimamente dispostos a praticar a democracia será a eleição presidencial que deverá realizar-se dentro de 30 dias. Segundo o artigo 233 da Constituição da República Bolivariana de Venezuela, a “falta absoluta” do presidente nos primeiros 4 dos 6 anos de mandato obriga à realização de novas eleições.
Aos mortos deve-se respeito. Aos líderes políticos é necessário dar o tratamento crítico adequado, mesmo em momentos como este.
A morte de Chávez causa enorme dor à sua família, a seus amigos e a milhões de venezuelanos — mas ele não fará falta a seu país nem ao cenário conturbado da América Latina.
Coluna do
Ricardo Setti
http://veja.abril.com.br
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