País mais pobre do continente americano, o Haiti vive um momento delicado. Um terremoto de sete graus na escala Richter (que vai até dez) atingiu o seu território na última terça-feira (dia 12), causando mortes e destruição. O governo local calcula que o número de mortos possa chegar a 100 mil (1% da população haitiana). O abalo sísmico agrava a situação de um país que tenta se recuperar economicamente de anos de governos acusados de corrupção e violência, e de confrontos entre grupos rivais armados. O Brasil já proporcionou felicidade ao povo do Haiti. Em uma área em que o nosso país é reconhecido mundialmente. E que os haitianos adoram.
Em agosto de 2004, brasileiros foram enviados para o país da América Central com uma missão: dar alegria, por um dia que fosse, a uma população tão sofrida. Esses brasileiros eram conhecidos mundialmente. Não eram soldados, mas conseguiram fazer com que grupos adversários deixassem suas armas de lado. E os viajantes foram vitoriosos, cumprindo seu objetivo. O país parou para ver Ronaldo, Ronaldinho Gaúcho, Roberto Carlos, Julio Cesar, Juan, Gilberto Silva, Nilmar e outros desfilarem pela capital, Porto Príncipe, em tanques, acenando para uma multidão que corria atrás do comboio, não conseguindo esconder a emoção por poder ver de perto aqueles heróis dos campos de futebol, que enfrentaram a seleção hatiana. Um exemplo do poder político que o esporte pode ter.
O jornalista Thiago Lavinas teve a oportunidade de acompanhar a histórica viagem da seleção brasileira para a realização do “Jogo da Paz” em Porto Princípe, capital do Haiti. E relembra no texto abaixo a emoção de brasileiros e haitianos com um episódio que certamente ficará marcado na mente daqueles que o puderam presenciar.
Estive no Haiti em 2004 com a seleção para o chamado Jogo da Paz. O Exército brasileiro havia acabado de chegar ao país, e a partida foi uma ação diplomática para aproximar os dois povos. O Haiti estava totalmente destruído por causa da guerra civil e não tinha condições de hospedar os jogadores brasileiros. Por isso, a seleção ficou em Santo Domingo, na República Dominicana, e viajou por cerca de uma hora e meia de avião até Porto Príncipe, local do amistoso.
Junto com o Jogo da Paz foi promovida uma campanha de desarmamento junto à população. O Haiti era (e continua sendo) o país mais pobre das Américas. A taxa de desemprego chegava a 70% e o índice de analfabetismo era de 47% em 2004. Não havia saneamento básico, metade da população não tinha acesso à água e a capital possuía apenas 14 horas de eletricidade por dia. A renda per capita anual do Haiti era de US$ 361 (menos de um dólar por dia).
A seleção brasileira chegou a capital Porto Príncipe duas horas antes da partida. A equipe tinha muitos desfalques, mas Ronaldo e Ronaldinho Gaúcho eram os embaixadores. Na época, o Milan não aceitou liberar Dida, Cafu e Kaká, e o Bayern de Munique também barrou as idas de Zé Roberto e Lúcio.
Do alto, ainda no avião fretado, era possível ver a difícil situação do país. O mar no litoral era negro, totalmente poluído pelo esgoto que era despejado sem qualquer tratamento. Não havia reservatórios de água doce, a cidade era seca. Sem prédios e com 90% das ruas sem asfalto. E pensar que estávamos na capital do Haiti.
Os jogadores brasileiros foram recepcionados pelo Exército brasileiro. No comando estava o general Augusto Heleno. A seleção foi dividida em três tanques de guerra e seguiu para o estádio. A imprensa foi em outros dois blindados e saiu atrás. Foi um city tour pela miséria do país. Milhares de pessoas foram às ruas para recepcionar os jogadores. De bicicleta ou correndo, os haitianos tentavam acompanhar os ídolos brasileiros. A pobreza impressionava. Assim como o carinho da população local.
Quem estava naquela delegação realmente se impressionou com o que viu. Em praticamente todo trajeto, a capital Porto Príncipe parecia uma grande favela. Em alguns trechos era possível observar mães dando banho em crianças com a água que saía do esgoto.
Ronaldo e Ronaldinho Gaúcho, os mais assediados, acenavam para a multidão. E viam a retribuição nos rostos de adultos e crianças. As pessoas surgiam de todos os lados. Galhos de árvore eram disputados a tapa. Foram cinco quilômetros de histeria do aeroporto até o estádio.
O pequeno e único estádio de Porto Principe estava lotado, com cerca de 15 mil pessoas. Paulo César de Oliveira foi o árbitro. O calor era quase insuportável. Enormes pedras de gelo foram colocadas nas laterais do gramado para diminuir a sensação térmica. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez questão de apertar a mão de cada jogador. A foto histórica das duas seleções, juntas, foi tirada antes de a bola rolar. Na hora do hino brasileiro, todos os torcedores se levantaram no estádio em sinal de respeito como fosse o hino de sua nação.
Quando o jogo começou, o Brasil dominou com facilidade. Mas o resultado era o que menos importava. Ronaldinho Gaúcho ainda fez um golaço, driblando quatro adversários e o goleiro. O estádio aplaudiu de pé. No fim, seleção 6 a 0. Ronaldinho Gaúcho (3), Roger (2) e Nilmar marcaram os gols.
Partida realizada em Porto Príncipe foi uma forma de chamar a atenção do mundo para os problemas econômicos e sociais do país caribenho e terminou com vitória da equipe verde-amarela por 6 a 0.
veja o blog - MEMORIA EC - http://colunas.globoesporte.com/memoriaec/2010/01/14/selecao-brasileira-e-povo-do-haiti-uma-relacao-marcada-para-sempre/
O primeiro-ministro do Haiti, Gerard Latortue, chegou a oferecer US$ 1.000 para o jogador haitiano que marcasse um gol na seleção brasileira. O valor era uma verdadeira fortuna no país. Mas ninguém nem chegou perto do gol de Julio César.
No país não havia celular. E os jornalistas dividiam um telefone do Exército para passar as informações. Cinco minutos para cada durante o jogo. Porque assim que o árbitro terminou a partida toda a comitiva seguiu para o aeroporto. Quando o avião decolou já era noite. Poucas luzes acessas eram vistas na cidade. Mas todos comentavam sobre o dia inesquecível. As cinco horas em que a seleção ficou no Haiti foram intensas. E o futebol levou alegria para um povo tão sofrido.
HAITI 0 x 6 BRASIL
Data: 18/8/2004
Local: Estádio Sylvio Cator, em Porto Príncipe (HAI)
Árbitro: Paulo César de Oliveira (BRA)
Gols: Roger (19 e 41 do primeiro tempo), Ronaldinho Gaúcho (32 do primeiro, 21 e 36 do segundo tempo) e Nilmar (40 do segundo tempo)
Local: Estádio Sylvio Cator, em Porto Príncipe (HAI)
Árbitro: Paulo César de Oliveira (BRA)
Gols: Roger (19 e 41 do primeiro tempo), Ronaldinho Gaúcho (32 do primeiro, 21 e 36 do segundo tempo) e Nilmar (40 do segundo tempo)
HAITI: Gabard (Luiogi), Descouines, Bruny (Desir), Jacques (Peter Germain) e Stephane; Mones, Guillaune, Bourdot (Barthelmy) e Dersi; Telamour (Gilles) e Mac Herold Max. Técnico: Carlo Marcelin
BRASIL: Julio Cesar (Fernando Henrique), Belletti, Juan (Cris), Roque Júnior e Roberto Carlos (Adriano); Gilberto Silva (Renato), Edu (Magrão), Juninho Pernambucano e Roger (Pedrinho); Ronaldo (Nilmar) e Ronaldinho Gaúcho. Técnico: Carlos Alberto Parreira
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